Resumo:
Este artigo tem por objeto a análise da obrigação legal, no direito brasileiro, das sociedades brasileiras promoverem, anualmente, nos quatro primeiros meses subsequentes ao término do exercício social, a aprovação de contas e dos atos da administração em assembleia geral ordinária (AGO), tanto no que diz respeito às sociedades limitadas quanto às sociedades anônimas, enquanto importante ferramenta de melhores práticas de governança corporativa, no que tange à transparência junto aos sócios, acionistas, colaboradores e demais stakeholders. Para tanto, abordar-se-á, em caráter voltado aos aspectos pragmáticos envolvidos, as normativas do Código Civil e na Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76), destacando também o procedimento de convocações e publicações das demonstrações financeiras, com base nos prazos estipulados pela legislação, bem como esclarecendo os aspectos controvertidos das recentes modificações legislativas que dizem respeito às publicações de convocações e demonstrações financeiras de forma digital, através do Sistema Público de Escrituração Digital (“SPED”).
1. Introdução:
No universo empresarial, onde a clareza operacional e a conformidade legal são pilares fundamentais, uma das questões frequentemente levantadas por muitos empresários é: “Sou obrigado a publicar as demonstrações financeiras da minha empresa?”.
Apesar de se tratar de assunto expressamente previsto em lei, muitos empresários esbarram com dúvidas sobre obrigatoriedade, prazo, procedimentos, publicações, formas e trâmites para fins de aprovação de contas da sociedade.
A aprovação anual de contas e atos da administração é um evento de extrema importância dentro dos atos recorrentes das sociedades brasileiras, pois se trata da ocasião na qual os acionistas ou sócios recebem as informações relativas às demonstrações financeiras da sociedade relativas ao último exercício, e, após, reúnem-se para deliberar sobre as contas e atos da administração.
A obrigatoriedade desta prática está posta nos artigos 1.078 a 1.080 do Código Civil, para a disciplina das sociedades limitadas, e nos artigos 132 a 137 da Lei das Sociedades por Ações (“LSA”), que estabelecem as regras para a realização e aprovação dessas assembleias.
Para este fim, entretanto, importa observar determinadas formalidades e trâmites de obrigatoriedade legal, as quais serão objeto de análise neste artigo.
2. A Aprovação anual de contas e atos da administração:
Inicialmente, vale destacar que o presente artigo leva em conta a sociedade limitada empresária e as sociedades por ações como tipos societários mais amplamente utilizados no brasil, o que se trata de fato notório.
Portanto, cumpre nos debruçarmos sobre a disciplina legal específica que diz respeito à aprovação de contas para empresas destas naturezas jurídicas.
Segundo o disposto no Código Civil, bem como na LSA, as sociedades devem observar o prazo legal de 4 (quadro) meses após o término do exercício social para promover a formalidade de aprovação de contas e atos da administração.
Vale notar que, no que diz respeito à duração do exercício social, este pode ser definido no contrato social ou estatuto social, porém, caso não haja especificação sobre este tema, corresponderá ao exercício civil, o qual se estender de 1º de janeiro a 31 de dezembro de cada ano.
Desta forma, considerando que o volume majoritário de empresas no Brasil conta com encerramento de seu exercício social em 31 de dezembro, tem-se que, anualmente, a assembleia geral ordinária de aprovação de contas deverá ocorrer até 31 de abril de cada ano.
Esse período é projetado para permitir que os administradores preparem um relatório detalhado, incluindo o balanço patrimonial e a demonstração de resultados, e que os acionistas tenham tempo suficiente para analisar e discutir essas informações antes de votar.
Os artigos 1.078 a 1.080 do Código Civil de 2002 dedicam-se às sociedades limitadas, estabelecendo que o evento de aprovação de contas e atos da administração deve ocorrer até quatro meses após o término do exercício social. Tais artigos determinam que os sócios têm o dever de aprovar as contas apresentadas pela administração, garantindo transparência e accountability no âmbito da empresa.
De acordo com a LSA, tendo por fundamento a disciplina do art. 132 desta lei, todas as sociedades por ações, independentemente de serem de capital fechado ou aberto, estão sujeitas à obrigatoriedade da aprovação de contas anuais. A lei foi redigida e aprovada visando a conferir maior proteção para os acionistas minoritários e, ao mesmo tempo, garantir segurança jurídica para que o mercado pudesse se desenvolver de forma equilibrada.
Destaca-se que a aprovação de contas é um processo estratégico onde a administração da empresa apresenta um panorama financeiro do último ano fiscal aos seus stakeholders, incluindo balanço patrimonial, demonstrativo de resultados, e outros relatórios financeiros importantes.
Esta análise criteriosa por parte dos acionistas ou sócios não só garante a transparência da gestão, mas também reflete a eficiência e a saúde financeira da empresa, possibilitando a tomada de decisões antecipada.
Mesmo que em sede de sociedades limitadas, onde, via de regra, a estrutura de governança corporativa identificada tende a ser reduzida, quando comparada com a estrutura existente em uma sociedade por ações, a dinâmica se difere, porém, ainda assim, tal providência possibilita o respaldo de transparência e responsabilidade mútua entre administração e sócios.
3. Procedimentos para realização da aprovação de contas:
No que diz respeito aos procedimentos para realização da aprovação de contas no âmbito de sociedades por ações, importa segregar o que são procedimentos relacionados à convocação dos acionistas para participar do evento e o que são procedimentos para disponibilização, aos acionistas, das demonstrações contábeis que serão aprovadas.
A convocação, na forma do art. 124 da LSA, ocorre mediante publicação de anúncios aos acionistas, contendo o local da realização da assembleia, a data, a hora e as matérias que serão postas em pauta de votação.
Este anúncio deverá ser publicado por no mínimo 3 (três) vezes, respeitando-se o prazo mínimo de 8 (oito) dias de antecedência, sendo S/A de capital aberto e 5 (cinco) dias de antecedência, sendo S/A de capital fechado.
Vale notar que, desde o ano de 2021, mediante a promulgação da Lei Complementar nº 182/21, denominada “Marco Legal das Startups”, modificou-se a LSA com o fim de permitir que as publicações de S/As fechadas que tiverem receita bruta anual de até R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) possam realizar as publicações de forma eletrônica.
Anteriormente, as publicações deveriam ser feitas no diário oficial e em jornal de grande circulação, incidindo elevado custo para observância desta formalidade. Noutra ocasião, já havia o legislador intentado reduzir os custos atrelados, estabelecendo-se dispensa de publicações para S/As com receita bruta até determinado patamar (tidas como S/As de “pequeno porte”).
Todavia, tais dispensas não existem mais no ordenamento jurídico, sendo agora obrigadas todas as S/As, de qualquer tamanho, com capital aberto ou não, a realizarem suas publicações, sendo que as que tiverem receita bruta anual de até R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) podem realizar tais publicações de forma eletrônica.
Estas publicações foram regulamentadas através da Portaria ME nº 12.071/21, que dispõe sobre a publicação e divulgação dos atos das companhias fechadas com receita bruta anual de até R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais), na Central de Balanços do Sistema Público de Escrituração Digital (“SPED”).
Sem prejuízo da publicação via SPED, a Portaria em questão ainda estabelece a necessidade de que tais publicações sejam também realizas no site da companhia.
Cumpre destacar que se todos os acionistas se fizerem presentes, as formalidades de convocação ficam dispensadas.
Já quanto aos procedimentos para disponibilização, aos acionistas, das demonstrações contábeis que serão aprovadas, a primeira das providências necessárias é a publicação do anúncio com 1 (mês) de antecedência à data marcada para a realização da assembleia, avisando os acionistas que se acham a disposição deles os documentos contábeis respectivos, incluindo-se relatórios e pareceres.
Notadamente, o intuito desta disposição é permitir ao acionista que tenha tempo hábil para análise da documentação que será objeto de voto em assembleia.
Após, ainda, os documentos contábeis, relatórios e pareceres referidos no Art. 133 da LSA deverão ser objeto de publicação, com ao menos 5 (cinco) dias de antecedência a data marcada para a realização da assembleia.
Além disso, é importante revisitar o Estatuto Social da Companhia, bem como eventual Acordo de Acionistas existente, para verificar a necessidade de observância de outras formalidades, como realização de reuniões prévias entre blocos de acionistas e comunicação por correio eletrônico (e-mail).
Já no que diz respeito as formalidades de reunião de sócios para aprovação de contas em sociedade empresária limitada, o anúncio de convocação será publicado por 3 (três) vezes, no mínimo, com antecedência mínima de 8 (oito) dias, para a primeira convocação, e de 5 (cinco) dias, para as posteriores, conforme Art. 1152, §3º do Código Civil.
Todavia, dispensam-se as formalidades de convocação quando todos os sócios comparecem ou se declaram, por escrito, presentes à reunião, vide Art. 1.072 (§2º do Código Civil).
Em sociedades empresárias limitadas, não há exigência de publicação das demonstrações financeiras.
Este aspecto é relevante, pois a Junta Comercial do Estado de São Paulo, até pouco tempo, possuía posicionamento no sentido de que sociedades limitadas entendidas como “Sociedades Limitada de Grande Porte” deveriam promover a publicação de suas demonstrações financeiras.
Tal entendimento foi objeto de análise pelo STJ, que entendeu sociedades limitadas de grande porte não são obrigadas a publicar demonstrações financeiras, sanando tal controvérsia.
4. Inovações e outros aspectos relevantes:
Uma importante inovação em matéria de realização de assembleia de aprovação de contas é possibilidade de que tal reunião ocorra remotamente. Este avanço foi em muito impulsionado pelo estado de necessidade decorrente da pandemia de COVID-19, e, após, demonstra-se como uma realidade que passou a ser incorporada pelas sociedades.
Dispõe a redação do Art. 124, §2º-A, incluído em 2020, que as companhias, abertas e fechadas, poderão realizar assembleia digital. Da mesma forma, o Art. 1.080-A do Código Civil, incluído em 2020, passou a prever que o sócio poderá participar e votar a distância em reunião ou em assembleia, sendo que reunião ou a assembleia poderá ser realizada de forma digital.
Em sua normativa IN 81, o DREI esclarece que as reuniões ou assembleias podem ser semipresenciais, quando os sócios puderem participar e votar presencialmente, no local físico da realização do conclave, mas também a distância, ou digitais, quando os sócios só puderem participar e votar a distância, nos termos do item 1, caso em que o conclave não será realizado em nenhum local físico.
Segundo o DREI, algumas formalidades adicionais precisam ser observadas em caso de assembleias semipresenciais ou digitais, como o fato de que os documentos e informações a serem disponibilizados previamente à realização da reunião ou assembleia semipresencial ou digital devem não apenas observar os mecanismos de divulgação já previstos em lei, como também ser disponibilizados por meio digital seguro, e que o instrumento de convocação deve informar, em destaque, que a reunião ou assembleia será semipresencial ou digital, conforme o caso, detalhando como os sócios podem participar e votar a distância.
Além disso, outro aspecto de extrema relevância é a escolha da plataforma que será utilizada para realização da assembleia, a qual deverá ser acessível a todos os sócios, ser seguro, possibilitar o registro de presenças, preservar o direito de participação dos sócios, de visualização de documentos e de gravação do conclave.
5. Conclusão:
No contexto empresarial brasileiro, a aprovação anual de contas e atos da administração é um procedimento de extrema importância, regulamentado pelos artigos 1.078 a 1.080 do Código Civil para sociedades limitadas e pelos artigos 132 a 137 da Lei das Sociedades por Ações (LSA) para companhias de capital aberto ou fechado. A realização dessa assembleia, que deve ocorrer até quatro meses após o término do exercício social, é crucial para garantir a transparência e a responsabilidade mútua entre a administração e os acionistas ou sócios.
Os procedimentos para convocação e disponibilização das demonstrações contábeis exigem atenção às normativas legais, especialmente após as alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 182/21, conhecida como “Marco Legal das Startups”. Essas mudanças possibilitaram a realização de publicações eletrônicas para sociedades anônimas fechadas com receita bruta anual de até R$ 78.000.000,00, reduzindo custos e simplificando o processo.
É crucial observar os prazos e formalidades, destacando-se a importância da transparência na gestão financeira da empresa.
Adicionalmente, a possibilidade de realizar assembleias remotas, uma inovação impulsionada pela pandemia de COVID-19 e seu consequente isolamento social, introduzida pelos artigos 124, §2º-A da LSA e 1.080-A do Código Civil, destaca-se como um avanço relevante, permitindo maior flexibilidade e adaptação às condições atuais.
Contudo, é fundamental atender às formalidades adicionais estabelecidas pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI), garantindo a segurança e eficácia dessas reuniões digitais ou semipresenciais.
Em resumo, a compreensão e aplicação adequada dos procedimentos relacionados à aprovação de contas e atos da administração são cruciais para o cumprimento das obrigações legais, promovendo a transparência, responsabilidade e eficiência no universo empresarial brasileiro.
1. Art. 1.078. Código Civil. A assembléia dos sócios deve realizar-se ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes à ao término do exercício social, com o objetivo de:
I – tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico;
II – designar administradores, quando for o caso;
III – tratar de qualquer outro assunto constante da ordem do dia.
2. Art. 132. LSA. Anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes ao término do exercício social, deverá haver 1 (uma) assembléia-geral para:
I – tomar as contas dos administradores, examinar, discutir e votar as demonstrações financeiras;
II – deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos;
III – eleger os administradores e os membros do conselho fiscal, quando for o caso;
IV – aprovar a correção da expressão monetária do capital social (artigo 167).
3. Art. 1º. Portaria ME 12.071/21. A publicação eletrônica dos atos de companhias fechadas, com receita bruta anual de até R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais), nos termos do disposto no art. 294 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e a divulgação de suas informações, ordenadas pela referida Lei, serão feitas na Central de Balanços do Sistema Público de Escrituração Digital – SPED, instituída pelo Decreto nº 6.022, de 22 de janeiro de 2007.
§ 1º A publicação e a divulgação de que trata o caput contarão com assinatura eletrônica que utiliza certificado digital, nos termos do disposto na Lei nº 14.063, de 23 de setembro de 2020.
§ 2º As companhias fechadas, sem prejuízo do disposto no caput, disponibilizarão as publicações e divulgações ordenadas pela Lei nº 6.404, de 1976, em seu sítio eletrônico, observada a exigência de que trata o § 1º.
§ 3º O SPED permitirá a emissão de documentos que comprovem a autenticidade, a inalterabilidade e a data de publicação dos atos de que trata o caput.
§ 4º Não serão cobradas taxas para as publicações e divulgações de que tratam este artigo.
4. Art. 133. LSA. Os administradores devem comunicar, até 1 (um) mês antes da data marcada para a realização da assembléia-geral ordinária, por anúncios publicados na forma prevista no artigo 124, que se acham à disposição dos acionistas:
I – o relatório da administração sobre os negócios sociais e os principais fatos administrativos do exercício findo;
II – a cópia das demonstrações financeiras;
III – o parecer dos auditores independentes, se houver.
IV – o parecer do conselho fiscal, inclusive votos dissidentes, se houver; e (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)
V – demais documentos pertinentes a assuntos incluídos na ordem do dia.
5. https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/30032023-Sociedades-limitadas-de-grande-porte-nao-sao-obrigadas-a-publicar-demonstracoes-financeiras.aspx
6. https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&documento_sequencial=182323406®istro_numero=201901192810&peticao_numero=&publicacao_data=20230323&formato=PDF
7. https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/drei/legislacao/arquivos/legislacoes-federais/AnexoIVLtdanovondice28dez2022.pdf