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A mudança necessária ao mundo e o papel das empresas

Os atentados terroristas em Istambul ou em Paris, a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia, tudo isso aponta que a próxima revolução está se acelerando. Esse é o entendimento do especialista em gestão Peter Senge, que se notabilizou por inovações gerenciais como a learning organization (organização que aprende) e o pensamento sistêmico. Por revolução, Senge entende um conjunto de transformações profundas nas esferas política, econômica, social e cultural do planeta, muito por conta da mudança climática, que exige uma mudança mundial, em vez de localizada, como sempre foi ao longo da história. Segundo Senge, em vez de ter carismáticos líderes indivi­duais, essa revolução será capitaneada por organizações estruturadas e, pasmem, com fins lucrativos. (Bancos, em especial.)

Nesta entrevista exclusiva a HSM Management, Senge discorre sobre a urgência de implementar uma “economia regenerativa”, que represente a pá de cal definitiva sobre a era industrial com que todos nos acostumamos. Deve funcionar “como a natureza, sem desperdício”. Ele explica a resistência das empresas à mudança, apresenta esboços reais de um novo modelo de negócio “regenerativo”, comete inconfidências sobre os dilemas do estudo de inovação e ainda aborda um de seus assuntos preferidos: o desafio de revolucionar a educação.

Por que o despertador das empresas demorou tanto para tocar, em sua opinião?
Nós não enxergamos o sistema mais amplo, apenas fazemos nossas “coisas” e ignoramos o que acontece fora da empresa. Concentramo-nos no curto prazo e não vemos as consequências do que fazemos.

Precisamos ter uma perspectiva de espaço, já que o que acontece lá fora é crucial para a forma como operamos. E precisamos principalmente ter uma perspectiva de tempo, no sentido de criar uma conexão emocional com o futuro, não apenas com o próximo mês. As pessoas pensam que o futuro é sempre daqui a 12 ou 20 anos e se descolam dele. Na essência, todo o problema da sustentabilidade reside no fato de que não pensamos no futuro.

Qual é a solução? Algum país está mais propenso a encontrá-la?
Um único país não resolve nada, mas eu diria que o Japão pode ser uma inspiração. Muitas coisas na forma como os japoneses vivem são, provavelmente, bons indicadores. Eles vivem em uma ilha do tamanho da Califórnia há muito tempo e com apenas 10% do território habitável, o que significa que centenas de milhões de pessoas têm de viver em um pedaço de terra muito pequeno. Por isso, tiveram de aprender como viver ali. Eles são um bom exemplo de uso eficiente de energia –em relação ao PIB do país, gastam cerca de um terço do que se contabiliza nos Estados Unidos ou na China. E, de alguma forma, já têm um papel de liderança. O Japão foi o anfitrião do Protocolo de Kyoto.

O fato, contudo, é que, para fazer frente a um desafio “local-global” como esse, todos os países têm de trabalhar juntos. Caso contrário, os problemas não serão solucionados. Se os Estados Unidos, a Europa, o Japão alcançarem melhoras radicais no uso eficiente da energia, reduzindo muito o desperdício e acelerando a transição para fontes energéticas alternativas às fósseis, mas a China ou a Índia não fizerem o mesmo, não fará diferença alguma.

Pode-se dizer que esse “aprender a trabalhar juntos”, muito difícil, é a solução. As questões precisam ser tratadas tanto local como mundialmente.

O sr. se envolve em iniciativas que buscam a reinvenção do management e da própria empresa, com muitos outros estudiosos. Pode nos contar um pouco desse trabalho?
Muitos desses estudiosos, em minha opinião, ainda são bastante conservadores, pois não enxergam as forças externas. Sabem que elas estão lá, mas ainda trabalham como se não estivessem.
A distinção é simples: você pode trabalhar para que as organizações sejam mais eficientes, e ponto final, ou pode trabalhar para ajudar o mundo a mudar por meio de organizações mais eficientes, liderando, assim, a mudança do mundo. Muitos pesquisadores perseguem o primeiro objetivo.

Eu diria que isso se deve a uma espécie de conflito cultural ali, porque a maioria entre estes é norte-americana. É preciso olhar para o mundo, não só para um país.

Essas discussões são abertas ao público?
Não, são bem fechadas, nem gravações há. Vamos ver o que acontecerá. Algumas ideias todos nós compartilhamos, como inovar mais ou colocar pessoas de diferentes níveis hierárquicos para trabalhar juntas. A grande diferença é quão urgentemente as pessoas perseguem as mudanças externas.

Para mim, ainda assim, é maravilhoso ver as pessoas acordar. Pense que esse é apenas o começo do começo. Ou a mudança que vem por aí será imensa, ou viveremos uma catástrofe, não há meio-termo.

Esse é o recado dado em seu livro The Necessary Revolution
Sim. O livro explica que nós precisamos de uma “economia regenerativa”, que funcione como a natureza, sem desperdício. Idealmente seria um sistema em que tudo o que se produzisse e se usasse fosse continuamente reutilizado. Não se criaria nenhum produto, com um propósito qualquer, sem pensar em seu nascimento, morte e renascimento. É a filosofia indiana sobre o retorno à vida: tudo renasce. Assim, desapareceria um dos paradigmas atuais, o de pensarmos no uso das coisas uma única vez. Além disso, na lógica dessa nova economia, toda a energia emanaria do sol, como na natureza.

Existem empresas que estão tentando adotar esse modelo?
Sim. Entre no site da Nike e você encontrará uma visão articulada para o desperdício zero em dez anos. É uma enorme estratégia. Eles adotam um sistema de classificação dos novos produtos com base no consumo de água em toda a cadeia de valor, no consumo de energia, na geração de lixo e resíduos tóxicos, e cada produto recebe uma medalha (ouro, prata, nenhuma). Criaram uma competição dentro da empresa, o que faz sentido, porque é uma empresa de esportes, certo? E todos querem ganhar a medalha de ouro.

Para isso, os colaboradores da Nike tentam criar um calçado esportivo que seja totalmente reciclável. No caso de tênis, em que tudo é colado, o problema é mais sério, tanto no que diz respeito à segurança dos trabalhadores, por causa das toxinas da cola, como no que se refere ao planeta, porque essas toxinas vão parar na água. Mas já criaram na Nike um calçado esportivo que não leva cola, o que é um grande avanço. Há muitos exemplos que vão nesse caminho, como o da parceria entre a Unilever e a Oxfam International.

Que empresas podem influenciar esse tipo de renovação no Brasil, em sua opinião?
Os bancos podem ter enorme influência na formatação da economia pós-industrial, em geral. Se seu critério para liberar recursos estiver atrelado à boa gestão da energia, da água, do lixo e dos resíduos tóxicos, isso tende a mudar muita coisa. E não se trata apenas de filantropia da parte dos bancos; há os riscos envolvidos em muitas das práticas de negócios.

A consciência dos riscos da mudança climática no universo dos negócios ainda é pequena, mas vem aumentando, o que se deve em grande parte à Swiss Re, maior empresa de resseguros do mundo, mestre em avaliar riscos das seguradoras, portanto. Ela definiu que, mediante tamanha instabilidade climática, em algumas partes do planeta o seguro contra eventos como inundações já deixou de ser viável –por exemplo, no sul da Flórida, nos Estados Unidos. Os prêmios são tão altos para segurar casas localizadas na costa que a maioria das pessoas não pode se dar ao luxo de pagar.

Diversos setores de atividade estão adotando diferentes caminhos, porém é possível distinguir uma direção comum, volto a dizer: a da economia que funcione com base nos princípios da natureza.

Gostaria de trocar a pressão externa pela interna novamente [risos]: o sr. acha que a organização que aprende se tornou realidade finalmente?
Não. O conceito “organização que aprende” ainda é um ideal; nenhum de nós espera que se torne dominante, ao menos nas duas ou três próximas gerações. Temos um sistema de gestão que prevalece há centenas de anos, baseado em hierarquia e autoridade. Isso não vai mudar rapidamente.

O que temos de fazer é focar os inovadores radicais e como eles começam a criar culturas de aprendizado dentro das grandes empresas ou, cada vez mais, em novas companhias.

Fonte: Revista HSM