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O futuro dos negócios, por Eric Schmidt

Poucos negariam que a internet está se tornando o coração do mundo. Bem poucos negariam que o Google já é o coração da internet. Líder dos sistemas de busca, trata-se da principal marca da rede mundial de computadores e da empresa de serviços gratuitos mais poderosa do planeta. Administrar essa posição de comando é, em grande parte, responsabilidade do experiente executivo de tecnologia Eric Schmidt, que, em 2001, foi nomeado para o cargo de CEO pelos fundadores do Google, Sergey Brin e Larry Page e que, em 2011, foi substituído por Page na função de CEO e passou a ser o presidente do conselho de administração, cargo que ocupa desde então.

Schmidt é, em grande medida, o principal responsável pelo expansionismo do sistema Google, que, antecipando as maneiras como as pessoas ampliam o uso da internet, não para de lançar novos produtos e serviços. Nesta entrevista, ele fala do futuro da internet e, com sinceridade peculiar, aponta a “lei do poder”, que leva a uma concentração cada vez maior dos mercados nas mãos de poucas empresas (como o Google). Também opina que o tão almejado equilíbrio de vida não será possível para executivos que almejam ter sucesso.

Será que uma dia a internet derrubará barreiras, tornando os mercados mais democráticos?
Eu queria poder responder que a internet criou um campo tão plano que a cauda longa é certamente o lugar onde se deve estar e que há muita diferenciação, diversidade, vozes novas… Infelizmente, não é esse o caso. O que realmente acontece é algo chamado “lei do poder”, caracterizada por um pequeno número de coisas altamente concentradas e por uma grande quantidade de outras coisas de volume relativamente pequeno. Virtualmente, todos os novos mercados de rede seguem essa lei.

Em outras palavras, ainda que a cauda seja muito interessante, a maior parte da receita permanecerá na cabeça. E essa é uma lição que as empresas têm de aprender. Ao mesmo tempo que você pode seguir uma estratégia de cauda longa, é melhor que tenha a cabeça, porque é aí que o dinheiro está.

É provável que a internet leve a grandes sucessos de vendas e a maior concentração de marcas, o que nem faz muito sentido, por ser o meio que é, com maior capacidade de distribuição. Mas, quando se juntam as pessoas, elas ainda querem uma superestrela –só que não mais uma estrela norte-americana, e sim mundial.

Como as empresas fazem dinheiro nesses mercados?
“Grátis” é melhor do que “barato”. Esse princípio tão simples foi deixado de lado por muitos gestores. Alguns modelos de negócio envolvem o “grátis” como fonte adjacente de recursos, quando, na verdade, “grátis” é um modelo viá­vel pelas vantagens de branding, nas cobranças de serviços e outras coisas.

Há hoje um modelo de negócio diferente daquele com o qual a maioria de nós está acostumada, porque vai contra a velha lei da economia que diz que o preço do produto tende, no final, ao custo marginal de sua produção e distribuição. No mundo digital, para produtos digitais, o custo marginal de fabricação e distribuição é efetivamente zero ou próximo de zero. Assim, para essa categoria de produtos, é razoável esperar que o modelo do “grátis”, com o auxílio do branding e das oportunidades de receita, seja muito bom.

Dê um exemplo sobre como um setor de atividade pode se adaptar a essas mudanças…
Obviamente, para coisas que têm algum custo físico de produção, você estará perdendo dinheiro em um milhão de unidades de uma vez, a menos que surja alguma receita compensatória. A telefonia seria um exemplo clássico disso. A maior parte dos custos de infraestrutura física de telefonia é perdida. O custo operacional não é tão grande – basicamente, cobrança e afins. Imagine uma situação na qual a telefonia passasse da cobrança por minuto para a cobrança na aquisição do telefone. Você compraria o telefone e, embutida no custo do telefone, estaria parte daquela infraestrutura. Com isso, você poderia usar o telefone para sempre.

Mas, pelo menos no mundo digital, as pessoas têm de aceitar que o custo de transmissão e distribuição não aumentará. Está caindo. Quem constrói o aparato físico que se conecta à transmissão e à distribuição transformará seus modelos em algo mais similar à forma pré-paga, porque será mais eficiente do ponto de vista do consumidor.

Em face disso, que mudanças serão necessárias na gestão de empresas?
A internet está nivelando as empresas de diferentes portes de várias maneiras: distribuição, branding, dinheiro e acesso. Mas há muitas outras implicações para o modo como elas operam. Elas não podem ser tão controladoras. Têm de deixar a informação sair. Precisam ouvir os clientes, porque os clientes estão falando com elas. E, se não falarem com eles, o concorrente falará. Enfim, há uma longa lista de razões pelas quais uma empresa mais transparente significa uma organização melhor.

Muitos modelos de negócio ainda são ba­seados em controle; meu exemplo favorito é o de distribuição de filmes. Como consumidor, quero assistir aos filmes quando me der vontade e no meio que eu desejar. No entanto, toda a estrutura econômica do negócio dos filmes, até recentemente, era organizada em torno da distribuição em determinado formato, a dado preço, o que pressupunha um pouco de espera. Mas, no novo mundo, ninguém vai esperar nada.

Além disso, já temos muitas evidências de que grupos tomam melhores decisões que indivíduos, especialmente quando são selecionados entre as pessoas mais inteligentes e as mais interessantes. A sabedoria das multidões argumenta que você pode operar uma empresa por consenso, que é como o Google opera.

Em sua opinião, existe um tipo de organização que tenha vantagem na hora de inovar?
Executivos sempre querem simplificar a vida e, por isso, estruturam seu negócio – em três divisões, quatro produtos, o departamento de marketing e assim por diante. A fórmula até pode continuar funcionando em algumas empresas, mas a maioria, devido à natureza da tecnologia, ficará mais complexa. As empresas terão mais produtos e mais variação de linha ao longo do tempo. E será importante, para manter uma barreira aos competidores, ter produtos resilientes, em escala, diferenciados e de alcance internacional, o que significa que não podem mais ser criados por duas pessoas apenas. Em nosso caso, como reconhecemos que a inovação vem de pequenas equipes e nos organizamos de acordo com isso, nós também encorajamos as pessoas a falar umas com as outras.

Uma das coisas que tentamos evitar no Google é o tipo de estrutura divisional e de unidades de negócios que impede a colaboração entre as unidades. É difícil. Mas tentamos porque isso elimina os laços informais, que, em uma cultura aberta, levam a muita colaboração. Se as pessoas entendem os valores da empresa para a qual trabalham, devem ser capazes de se organizar para lidar com os problemas mais interessantes. Se não são capazes de fazê-lo, é porque você não conversou com elas, não construiu uma cultura de valores compartilhados.

Para terminar, quais são os perigos que você enxerga no contínuo desenvolvimento da internet?
Há uma série de iniciativas de construção de um padrão global para a web. Dada a história das guerras e da política global, é altamente improvável que vejamos um único regime, por exemplo, para leis de direitos autorais, para definir quais conteúdos são apropriados, ou quais são as penas para o conteúdo inapropriado ou para todas as questões que as pessoas enfrentam no mundo online. O modo de solucionar esse problema, hoje, é usar domínios por país. Assim, um domínio de um país é visto como diferente, como o domínio americano, que é o “ponto.com”.

É provável que ocorram desafios legais e políticos ao longo dos anos, e eu acho que o próximo virá em breve. Na internet, as pessoas sempre estão sujeitas às leis locais. Mas será uma tragédia, por essas questões, que ela se torne dividida em um nível físico. Não será? Será uma tragédia se cada país construir uma espécie de polícia em torno de sua internet. É muito melhor usar outras abordagens para se assegurar de que o que for legal em um país e ilegal em outro não vá de um para outro sem a supervisão apropriada.

Dada a complexidade disso tudo, meu conselho é que as empresas globais tenham muitos advogados, cada um especializado em determinada lei nacional –um na lei brasileira, outro na turca, outro na europeia e etc.

© The McKinsey Quarterly
A entrevista é de James Manyika, diretor do escritório da firma de consultoria McKinsey em São Francisco, Estados Unidos.

Fonte: Revista HSM 

Crédito imagem: The Telegraph / AP